quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Getulinho Filé de Borboleta

A mãe deu o nome de Getúlio, Getulinho. Pouco depois era Getulinho Filé de Borboleta, pela magreza. Com o tempo ficou mesmo só Filé.
Filé já me fazia levitar antes da concepção. Isso não significa que era humorista, palhaço ou cínico. Tinha daquelas almas leves, do barro mais fino. Uma raridade.
Como você não pode duvidar de mim, conto sem vergonha: Filé saiu de um parto sem dor, às gargalhadas. A parteira, espantada, gritou – Assombração! Até eu fiquei preocupado e olhei para os lados, sem nada ver, claro. Foi a primeira peça que Filé me pregou.
Fato triste, mas, quando a mãe viu o bebê sapeca, sorriu o mais belo sorriso e disse, antes de morrer de alegria: Getúlio! Getulinho! E morreu. De alegria. Mas morreu. Mesmo.
Na época das fraldas foi criado por um grupo de maritacas, as solteironas do lugar. Falou rápido, e sua primeira palavra foi – Sorvete!, acompanha de um beijo na propaganda da TV.
Com sete anos foi pego colando na escola. No pequeno papel, a tabuada do 8... mas a prova era de português. Getulinho não era burro, mas tinha um medo tão terrível de números, que nunca conseguiu sair do segundo ano.
Pelo resto de sua vida nunca teve casa certa, pelo menos que eu saiba. Filé conseguia driblar minha onipresença e onisciência... Ou melhor, confesso que me permiti esse mistério.
Fato que Getulinho Filé de Borboleta era propriedade da cidade. Passava os dias aqui, acolá, ora na padaria da praça, ora na oficina mecânica, ora no armarinho comercial etc. Todos queriam sua companhia, mesmo que ficasse apenas quieto, escutando - uma raridade, claro.
Mesmo não freqüentando a sala de aula, vira e mexe estava na escola, na biblioteca. Filé devorava os livros para depois contar as aventuras para as pessoas. Me peguei desconcentrado do trabalho várias vezes só para escutar o Filé. Eita peste! Sabe aquela Tsunami? Foi Getulinho falando o Dom Quixote.
Nunca trabalhou. Nunca teve um emprego. Não precisava de dinheiro, comprar sapatos, roupa, relógio - aliás, Filé nunca perguntou - Que horas são? - ou comida. O magricela andava sempre arrumadinho, limpinho e de barriga cheia. Mas também não era vagabundo. A cidade sabia pagar, a seu modo, por sua função.
Não teve namoradas. Filé, como bem coletivo, era de todas as ruas e casas. Exercia uma paixão secreta, uniforme, contínua, sem rompantes, sadia. Uma paixão sem necessidade de apaixonados.
Portanto, não teve filhos. Mas não foi apenas uma criança que chamou – Papai!, ao ver Getulinho passar. Na minha eternidade, uma pontada de inveja – inveja branca, claro – por tamanha aceitação.
Morreu velhinho, no dia 25 de dezembro, outra de suas pegadinhas. Foi o Natal mais quente em 2.000 anos.

4 comentários:

Circo Golondrina disse...

PQP 3x!!! Vc já tá inalcançavel!!!
Será que quando eu começar oficialmente a UBA sai alguma coisa assim!???
PS: Acho que minha primeira palavra tb foi "sorvete" hauhaua.
Beijos orgulhosos ;o)

Anônimo disse...

Você escreve demais...sorria assim :))) o tempo todo!

Vivian Schenkel disse...

Amor, vc é mto bom mesmo!!!
Beijos Vi!

Zin disse...

Amadurecido!
Pelo menos de quem conhece um pouco dos outros...
Quase me identifiquei, pelo palhaço, pelo magrela, mas só... Talvez mais coisas, que não quis aceitar... rs

bjo