sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Brasil da discórdia

Éris, o espírito da discórdia, estava entediadíssima. Cansou-se das longas férias que Zeus, senhor do universo, impôs aos deuses do Olimpo, há cerca de dois mil anos.
Tentou de todas as maneiras convencer seu marido Ares, deus da guerra, a descer com ela novamente ao planeta terra para infernizar a vida dos homens. Mas Ares, que era um grande covardão e morria de medo dos raios de Zeus, não deu a mínima bola para os pedidos dela e continuou sua brincadeira com soldadinhos de chumbo feito por Hefesto, seu passatempo preferido nos últimos tempos.
Enfurecida, foi consolar-se na margem do Estige - o rio que separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos – e escutar as velhas histórias que seu amigo Caronte, o barqueiro, contava sobre as almas penadas. Éris adorava histórias de terror.
Foi quando viu passar por ali o herói Héracles, o grandalhão mais forte de todos os tempos (mas burro feito uma porta), carregando sua grande clava cheia de espinhos. Éris teve a idéia de usá-lo para finalmente poder deliciar-se com mais uma quizomba entre os mortais.
Aproximou-se do brutamontes e mentiu que a grande Hera, esposa perversa de Zeus, lhe obrigava a realizar mais uma tarefa na terra, como complemento aos doze famosos trabalhos que realizara no distante passado. Afinal, treze é um número da sorte mais na moda.
Como Héracles era realmente muito burro e não desconfiava de ninguém, confiou na conversa fiada de Éris e aceitou. Pulou no primeiro Pégaso que cruzou os céus e desceu destrambelhado para cá. Isso mesmo, leitor amigo. Héracles aterrissou no Brasil.
A tarefa: desviar o rio Tietê e transformar a cidade de S. Paulo em uma grande poça d’agua. Éris mal esperava para fazer os humanos perderem suas casas! Que bela confusão seria! Para Héracles, que desviou dois rios para limpar os estábulos do rei Augias, como contam as histórias da mitologia, isso seria moleza.
No entanto, antes de iniciar sua missão, Héracles achou melhor conseguir uma roupa nova, já que estava sem a sua capa feita com a pele do leão da Nemeia – e morrendo de frio, peladão debaixo daquela garoa fina!
Farejou uma onça no zoológico municipal, e já estava atracado com o bicho para arrancar sua pele quando a polícia chegou. Héracles acabou preso por maltrato aos animais e atentado ao pudor.
Para grande tristeza de Éris, quando Héracles conseguiu escapar da prisão, S. Paulo já estava inundada por conta de muitos bueiros entupidos com sacos plásticos e um mês de chuvarada.
Mas Éris era teimosa e não desistiu de suas maldades. Obrigou a Dédalo, maior arquiteto que o mundo antigo já conheceu, a descer ao planeta terra e construir um labirinto tão grande quanto o do Minotauro. O plano de Éris era fazer com que homens e mulheres passassem uma eternidade perdidos no labirinto. “Quanta desarmonia isso vai causar!”, gargalhava a deusa.
Dédalo também desceu na cidade de S. Paulo, e foi logo pegando um taxi para conhecer os arredores e começar a traçar a planta de seu novo labirinto. Depois de quatro horas preso em um engarrafamento – que lhe custou uma fortuna e toda sua paciência, saiu do carro abobalhado e perdeu-se para sempre pela grande cidade. Dizem que desceu na estação do metrô da Consolação, pensando ser lá o caminho para o mundo dos mortos, mas isso não posso afirmar.
Abaladíssima com mais um fracasso, Éris foi fofocar com sua melhor amiga, Pandora, esposa de Epimeteu. No passado, esta mulher curiosa abriu o jarro onde o Titã Prometeu escondeu os insetos da cobiça, inveja, ciúme e ira, espalhando grande confusão aos sete cantos.
Para consolar a amiga – e muito curiosa para conhecer aquele país estranho – tratou de descer ela mesma em busca de novas idéias de maldade para Éris. Pediu emprestado as asas de cera do menino Ícaro e lá foi ela aterrissar no meio de um grande planalto no centro do país, justamente na capital do Brasil: Brasília.
Como era muito bonita e comunicativa, Pandora logo fez amizade entre os círculos de políticos de todos os partidos, no senado, na câmara e no palácio do planalto. Aos pouquinhos foi se interando dos segredos que os homens escondiam e de todas as maldades que emanavam dali.
Depois de uma semana sem receber respostas da amiga, Éris mandou o gigante de um olho só, Ciclope, resgatá-la em Brasília. Ao presenciar tantas vigarices na capital do Brasil, Pandora voltou ao Olimpo em estado de choque e ficou para sempre feito a Ninfa Eco, repetindo com os olhos vidrados só a última palavra da frase dos outros. Quanto ao gigante Ciclope, fiquei sabendo que voltou ao mundo mortal e fez muitas amizades entre os fãs de X-Men.
Como último recurso, Éris decidiu ela mesma descer à Terra para castigar a humanidade. Depois de tantos planos furados, não temia mais os castigos de Zeus por quebrar sua lei divina. Confiava que seu velho truque do pomo da discórdia não falharia. Lá foi ela, feito um raio, brotar no meio da bela cidade do Rio de Janeiro.
Lançou seu pomo dourado, tão cobiçado no passado, em uma aglomeração de gente na frente de uma lanchonete. Para o desespero de Éris, as pessoas nem viram sua maçã encantada. Continuaram em alvoroço pedindo seus hambúrgueres e batatas-fritas, com seus telefones celulares ou mp3 nos ouvidos.
A deusa não aguentou tamanho desprezo e apanhou o Pomo da discórdia do chão, oferecendo-o pessoalmente às pessoas. “Eis aqui o sagrado Pomo Dourado, boa gente, quem vai lutar por este tesouro?, gritou ela, esganiçada. Entre os poucos olhares curiosos, uma menininha no fim da fila tomou a maçã da mão da Deusa e, depois de uma mordida, cuspiu de cara feia: “Cara, isso aqui é ruim pacas, tia!”
Não preciso dizer que Éris finalmente se mancou e voltou correndo para seu palácio no Olimpo. Descobriu em sua visitinha, nos programas de TV e nos jornais humanos, que o mundo não precisa mais dos deuses gregos ou romanos para infernizar as idéias. Afinal, já temos discórdias suficientes.
Foi assim que Éris, a antiga deusa da discórdia se aposentou de vez. Esta história foi aquele Ciclope que me contou – somos amigos no Facebook. Segundo ele, Éris finalmente encontrou a felicidade: levou para seu palácio no Olimpo um aparelho de televisão, e deve estar rindo agora lá em cima, assistindo de camarote as trapalhadas que os homens fazem a si mesmos.

Um comentário:

SERRALINDA disse...

Quem precisa de ajuda no inferno...que de diabos tá cheio cheio. Lembro do desabafo de um americano alguns dias depois do ataque do 11 de set 2001, "nós não precisamos de ninguém para nos matar, nós já fazemos isto muito bem sozinhos"... continuando...vejo aqui o tão fácil é a gente se perder no meio do caminho...nos distrair...perder o foco...voltar pra casa e...sentar. Tem mt mais ai, vc foi longe bem longe..e eu amei do início ao fim, ri e repeti a frase "é assim mesmo" trocentaz vezes. SUPER!!!
Sogrinha