O primeiro acorde da Lira insiste
Para delírio dos meses... Eurídice...
Em um inferno sem nenhum poema
Foi contigo morar a minha pena.
E mesmo não sentindo ao peito
A minha mão como se fosse tua,
Compartilho teu lamento como meu
Entre as sombras frias da loucura.
Mas sofre, então, de sentimento,
Que com razão a vida é sempre dura.
Recolhe na tua raiva o meu alento.
E, quando no vazio descobrir-se ausente,
A tristeza talvez permita uma pergunta:
Na vida qual amor não é presente?
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008
Glória
Sempre é difícil sair da Glória. Onze e meia da noite, garoa fina. Isso já tem cara de crônica. O bar do Zé ficou com os abraços dos amigos na última esquina. Vou de cambaleante pensamento para a praça XV. É bom caminhar. Adiante, catadores de papel estão reunidos em comício. Mas não escuto. Sigo.
Se soubesse pintar, seria impressionista. Deixei meus óculos em casa. Só quero ver o necessário. E, na noite, pouca coisa é necessária. Dois ou três mendigos roncam na marquise da padaria. Um bêbado e um louco passam, quase desapercebidos. E as ruas, tão silenciosas de ruídos! Noite calma... Sigo.
E sigo de pensamento fundido na noite. Não existem mais abrigos da chuva. Chego na Lapa como chega um bandido. O casario dorme, os bares dormem. Tudo, todo o bairro parece vazio. Um vira-latas me olha de esguelha e foge. Se estivesse pouco mais escuro o teria confundido comigo.
A Cinelândia é uma miragem. Caminho ainda mais lento, e presto pouca atenção, ainda menos atenção em mim mesmo. No meio da praça, um ambulante pede dinheiro para o ônibus. Meus dois reais viram um par de brincos. Ah! Será que ninguém pode fugir da realidade ao menos?
Na distancia Mariza Monte canta. Mas Deus não dá resignação. Mudo o passo, apressado. Cruzo a praça, piso com força a rua, olho mau-humorado para a calçada vazia, e chego com raiva ao Paço. Tudo muda. Uma barca espera na estação. E corro desesperado, sem necessidade alguma.
A baía parte na barca, mar verde de caldo de cana. Lembro do olhar de minha mãe, aquele olhar de raiva que ela tinha. Raiva, depois culpa. Depois ternura. Penso que talvez eu tenha lhe herdado a loucura. Range um barco em mim, um desconforto de madeira...
Não choveu por aqui. As ruas de Niterói estão quentes e secas. Perco a pressa, esqueço do ônibus e sigo pesaroso o caminho da orla. Sem pudor, emaranham-se debaixo da construção dois casais. O cheiro do amor chega pelos ouvidos. Sim! Gemem! A noite só delira para quem ama.
Menos de um quilômetro dali, na Cantareira, escuto um batuque de samba. Talvez um conhecido me encontre... O bar está cheio, amarelo de lâmpada fraca. No violão e no pandeiro, é aquela do Chico que cantam... Mentira. Sou eu que canto aquela. Ali, o samba é outro. Melhor ir embora.
Por dentro da cidade, os prédios tristes, apagados. No cruzamento, dois garçons reclamam da vida. Uma esquina depois, na subida do morro, os vigilantes escutam no rádio os comentários. E ali, quase do lado, mais uma vila condenada pela especulação imobiliária. A cidade não tem memória.
E a minha memória? As pernas doem... É bom caminhar e esquecer. Sempre achei o mar de Icaraí um pouco sarcástico comigo. Calmo. O mar está calmo. Em mim, uma ressaca que nem sei. A minha rua parece infinita. Mais três quarteirões e tudo termina. Não. A noite termina. A noite.
Se soubesse pintar, seria impressionista. Deixei meus óculos em casa. Só quero ver o necessário. E, na noite, pouca coisa é necessária. Dois ou três mendigos roncam na marquise da padaria. Um bêbado e um louco passam, quase desapercebidos. E as ruas, tão silenciosas de ruídos! Noite calma... Sigo.
E sigo de pensamento fundido na noite. Não existem mais abrigos da chuva. Chego na Lapa como chega um bandido. O casario dorme, os bares dormem. Tudo, todo o bairro parece vazio. Um vira-latas me olha de esguelha e foge. Se estivesse pouco mais escuro o teria confundido comigo.
A Cinelândia é uma miragem. Caminho ainda mais lento, e presto pouca atenção, ainda menos atenção em mim mesmo. No meio da praça, um ambulante pede dinheiro para o ônibus. Meus dois reais viram um par de brincos. Ah! Será que ninguém pode fugir da realidade ao menos?
Na distancia Mariza Monte canta. Mas Deus não dá resignação. Mudo o passo, apressado. Cruzo a praça, piso com força a rua, olho mau-humorado para a calçada vazia, e chego com raiva ao Paço. Tudo muda. Uma barca espera na estação. E corro desesperado, sem necessidade alguma.
A baía parte na barca, mar verde de caldo de cana. Lembro do olhar de minha mãe, aquele olhar de raiva que ela tinha. Raiva, depois culpa. Depois ternura. Penso que talvez eu tenha lhe herdado a loucura. Range um barco em mim, um desconforto de madeira...
Não choveu por aqui. As ruas de Niterói estão quentes e secas. Perco a pressa, esqueço do ônibus e sigo pesaroso o caminho da orla. Sem pudor, emaranham-se debaixo da construção dois casais. O cheiro do amor chega pelos ouvidos. Sim! Gemem! A noite só delira para quem ama.
Menos de um quilômetro dali, na Cantareira, escuto um batuque de samba. Talvez um conhecido me encontre... O bar está cheio, amarelo de lâmpada fraca. No violão e no pandeiro, é aquela do Chico que cantam... Mentira. Sou eu que canto aquela. Ali, o samba é outro. Melhor ir embora.
Por dentro da cidade, os prédios tristes, apagados. No cruzamento, dois garçons reclamam da vida. Uma esquina depois, na subida do morro, os vigilantes escutam no rádio os comentários. E ali, quase do lado, mais uma vila condenada pela especulação imobiliária. A cidade não tem memória.
E a minha memória? As pernas doem... É bom caminhar e esquecer. Sempre achei o mar de Icaraí um pouco sarcástico comigo. Calmo. O mar está calmo. Em mim, uma ressaca que nem sei. A minha rua parece infinita. Mais três quarteirões e tudo termina. Não. A noite termina. A noite.
Assinar:
Postagens (Atom)